Wednesday, June 04, 2008

Reencontro com meu passado em Capanda

Crônica 14 Cacuso – Capanda

Esta era para ser mais uma viagem dentre tantas que ocorreram até então e tantas que irão ocorrer, a não ser por um detalhe. Capanda ! Estas letras significam, além de u ma localização no interior, as margens do rio Kuanza, uma hidroelétrica de grande porte, que foi construída pela Construtora Norberto Odebrecht. E este fato tem muito a ver comigo, pois em 1985 eu estava cursando o 5º ano de engenharia na Universidade Federal de Pernambuco enquanto estagiava em uma obra importante em Recife, o Viaduto Tancredo Neves. Esta obra havia sido calculada pela empresa de meu tio Waldir e liga a Avenida Recife ao Bairro de Boa Viagem. Foi algo marcante para a vida de estudantes como nós que estávamos tendo contato com diversas técnicas de construção de grande porte como vigas pré-moldadas com 30m sendo içadas por treliças corrediças, protensão de estruturas, etc. Boa parte delas ainda perduram até hoje, com inovações, é claro!

Eu integrava a equipe de fiscalização da empresa projetista que zelava pela qualidade na execução das estruturas em concreto.. Em Outubro, perto do final da obra, percebi uma grande afluência de engenheiros e trabalhadores de todos os níveis e qualificações. Achei estranho, pois estava ocorrendo algo inverso do natural. A Odebrecht deveria estar desmobilizando pessoal e no entanto ocorria o contrário. Procurei saber a causa daquele fato e me indicaram um cartaz que diza “Venha Construir Capanda em Angola”.

Procurei saber de meu amigo e colega de turma Jaime Ferraz, que na época estagiava na CNO. Ele me falou que Capanda seria uma usina hidroelétrica que a Construtora iria erguer no interior de Angola. Naquela época eu tinha uma pequena lembrança de toda a problemática da independência e da morte de Agostinho Neto, o principal articulador da independência, que se tornou presidente. Apesar de ser pré-adolescente na época (1975) lembro das filmagens que apareciam no Jornal Nacional e dos comentários de meu Pai sobre o tema.

Então eu tinha uma vaga idéia do desafio que aquelas pessoas teriam pela frente em um país africano em estado de guerra civil. Soube que boa parte da direção da nossa obra iria conduzir o empreendimento, inclusive o gerente de contratos, Engenheiro Delmar. Lembro-me que comecei a encará-los com sentimentos dúbios. Ora achava que estavam todos loucos, ora os considerava como seres superiores, que tinham a coragem de deixar para trás seu país e enfrentar aquela quantidade de desafios de um lugar naquelas condições.

A história da CNO e sua equipe, em relação a construção de Capanda e de outras obras de engenharia em terras angolanas, resultaria em um grande livro ou documentário épico, pois dela fazem parte vicissitudes como sequestros, mortes, fugas e evacuações heróicas que resultaram em tudo o que a construtora é para a engenharia no âmbito angolano e mundial. E boa parte do embrião desta história foi recrutado ali naquela obra do Viaduto Tancredo Neves em Recife.

Minha intenção não é de forma nenhuma fazer marketing para a Construtora Odebrecht, nem tenho nenhuma ligação atual, ou é minha meta futura ter (já que minha formação como engenheiro caminhou para uma vertente diversa da produção na construção), só me rendo aos fatos por mim presenciados.

A nossa aventura começou em Luanda quando o INEA solicitou-nos uma Nota Técnica que contemplasse o acesso a Capanda. Eu estava esperando esta oportunidade desde quando os engenheiros do INEA falaram desta hidroelétrica e eu a localizei em minha memória. A própria CNO havia solicitado este levantamento ao órgão, visto ela manter uma quase cidade no local de operação da usina de energia. Fui com mais 2 engenheiros novos e novatos na empresa, Josias e Caetano, e uma equipe do INEA a nos assessorar, chefiada pelo Arquiteto Angobrasileiro Armando e acompanhada pelos técnico António Pedro e pelo estudante de engenharia Célio.

Saímos muito cedo, antes de clarear e fomos na rota leste, passando por Viana e Maria Tereza. Entramos em uma via secundária, já por nós conhecida, com características de “picada#. Preferimos esta apesar de ser uma estrada em leito natural, pois as estradas nacionais estavam em piores condições do que esta para tráfego. Esta estradinha nos mantinha em contato com boa parte da natureza que a guerra não conseguiu acabar. A região era formada por uma floresta espessa. Entremeadas por áreas de savanas. Podia-se ver alguma fauna que se atrevia a chegar próxima a estrada, como macacos e veados. No meio do caminho fizemos uma parada técnica em uma povoação a margem da estrada e veio um senhor com uma gazela para nos vender. Josias, que é fanático. Por animais, enlouqueceu e quase comprou o bichinho. Foi necessária uma forte intervenção para que isto não acontecesse. Nossa viagem continuou com muitos chacoalhados e balanços.


Josias e a gazelinha

Desta forma chegamos a Cacuso perto das 17:00 hs. Cacuso aqui quer dizer um peixe de rio muito consumido por todos. Para nós seria a tilápia. Este peixe se tornou base da alimentação angolana.

Ali teríamos que encontrar o acesso a CAPANDA objeto de nossa vinda. Rapidamente identificamos a estrada e iniciamos nossa jornada àquela que seria uma das mais excitantes aventuras devido ao seu significado para mim.

Vimos pouco da estrada neste dia, pois logo escureceu e não houve como analisar o trajeto. Chegando a vila de Capanda, um local todo cercado e com guaritas para controlar o tráfego de entrada e saída, apresentei as nossas credenciais e fomos encaminhados para o refeitório.

Apesar da comida ser feita para grande escala, estava uma delícia e mais, foi uma maravilha entrar em contato com o tempero brasileiro novamente e principalmente no meio da África. O que mais me deu saudades foi o paozinho francês que era feito na padaria de lá. Deu para esquecer os pães carcaça dos portugueses de Luanda e lembrar das nossas padarias.

Achei estranho que todos os letreiros no refeitorio eram também traduzidos para russo!!! Foi neste momento que identifiquei aquelas figuras branquíssimas, jantando em uma mesa à parte e vários outros chegavam e sentavam-se próximos e conversavam. Os russos haviam elaborado o projeto de Capanda e trabalhavam na operação e manutenção da hidroelétrica. Por isto tudo era escrito em português e russo.

O Refeitório de Capanda
Após matarmos a fome fomos conduzidos aos nossos dormitórios que eram quartos para duas pessoas. Na Vila de Capanda existem dormitórios com níveis diferenciados. Os mais simples são para os trabalhadores especializados, a medida que os cargos aumentam de responsabilidade, aumenta a comodidade de cada dormitório. Há casas separadas para encarregados e engenheiros que trouxeram a família.

Fomos conduzidos para os dormitórios dos engenheiros. Eram bastante funcionais e simples, compostos de uma mesa de trabalho, um guarda-roupa e duas camas. O mais importante para nós estava no banheiro que tinha um chuveiro com água corrente, fundamental e um diferencial relevante para quem estava no interior de Angola. No dormitório havia ainda espaços de convivência que incluiam sala de televisão, bar, salão de jogos e sala de ginástica equipada. Tudo com informações em português e russo.

Mantive contato com o Engenheiro Rubens, responsável por minha vinda e este se desculpou, pois estava planejando fazer um churrasco para nós, mas houveram impedimentos profissionais que frustaram este nosso contato. Vida de Engenheiro! Comuniquei-lhe o nosso plano de trabalho e informei a hora de nossa partida no dia seguinte.

Saímos para dar uma volta na vila e identifiquei muitos equipamentos para o lazer do pessoal, como clube (com piscina), quadras de esportes, quadra de tênis, etc. Há ainda em Capanda um aeroporto que pode descer um Boieng 747. Tudo para que a permanência dos técnicos seja a mais salutar, aprazível e segura possível.

Uma vista das instalações da vila de Capanda
Pela manhã acordamos às 5:00 horas para nos preparar para os trabalhos. Conseguimos o café –da-manhã antes das 6:00 hs no refeitório e partimos para os trabalhos. Antes disso, fomos visitar a hidroelétrica de Capanda, a barragem propriamente dita, onde estão as comportas. Foi um momento bastante especial para mim, pois eu não parava de relacionar os dois momentos em minha vida profissional, onde nunca as variáveis de espaço e tempo atuaram tanto para separar duas situações que eram tão interligadas em minha mente – Limite entre as Províncias do Kuanza Norte e de Malange, em Angola e a cidade de Recife, Estado de Pernambuco, Brasil – Uma no ano de 1985 e outra no ano de 2006.
Para chegar até a barragem percorremos dois quilômetreos onde apareciam diversos equipamentos de infraestrutura, como estação de tratamento de água e pedreiras. Obviamente a barragem se loclizava em um vale e o que se vislumbrou logo de princípio foi o imenso lago provocado pela obstrução do leito do rio Kuanza. A medida que íamos chegando ao fim da estrada, a parede da barragem ia se mostrando com suas comportas. A manhã estava bem no começo, e havia uma espécie de de névoa encobrindo a barragem que tornava aquela visão algo mágica. O sol já havia nascido a algum tempo, mas estava ali bem próximo a linha do horizonte do lago, para emoldurar a estupenda paisagem do nascer do sol africano. fotos


Face à montante da parede da barragem


Face à jusante da parede da barragem
Por-do-sol no lago barragem de Capanda


Entramos no Land Rover do INEA e fomos para a rótula que seria o ponto de início dos nossos trabalhos. O trecho era uma estrada com boa plataforma e sum solo areno-argiloso como a maioria dos que vimos em Angola. Deveríamos elevar o terrapleno em diversos pontos, pois era evidente que a estrada estava abaixo do terreno natural estes locais.

Não encontrava uma rocha sâ ou já usada que me permitisse indicar como pedreira para exploração na obra. Repentinamente meu problema se resolveu a uns 30km de Capanda. À minha direita se divisou uma imensa concentração de rochedos que parecial formar uma linha a, mais oum menos uns 500m da estrada. Senti um alívio e anotei aquele afloramento no meu relatório. Ao mesmo tempo comecei a me incomodar com a beleza daquelas protuberâncias rochosas que estariam destruídas em boa parte de sua extensão. Elas pareciam gigantges a dançar em volta de um grande Quimbo (aldeia) rochoso. Bati algumas fotos do local e prosseguimos.

Ocorrências rochosas. O que seriam?


Ao fim da viagem fui conversar com os angolanos que nos assessoravam. Falei sobre as rochas e ninguém comentou nada. Só depois vim a saber que aquele é um dos parques histórico-naturais de Angola. Um grande destaque da viagem e que por si só valeria a pena viajar até lá. Era chamado de Pedras Negras de Pungo Andongo que são formações rochosas de grande beleza natural, que surgem repentinamente num terreno plano, onde dizem estarem marcadas as presenças da rainha N’Ginga M’Bandi, rainha do reino da Mataba (região de Malange) e do rei N’Gola Kiluange. Carregam uma áurea de mistério em torno deles, pois conta a lenda que, há séculos, ali existia um coliseu de torturas e bacanais da Rainha. Diz-se que existem até pegadas preservadas no local, atribuídas a N’Ginga M’Bandi. A cor negra provém de determinadas algas filamentosas que se desenvolvem nas águas absorvidas pelas rochas.

Pedras Negras de Pungo Angongo (foto Mário Tendinha)


Vista das Rochas de Pungo Andongo.


Claro que em Luanda fiquei revoltadíssimo por perder a oportunidade de explorar mais um sítio histórico deste país. Fiquei mais revoltado com a patrulha angolana que nos assessorava que não teve clarividência, ou conhecimento, de reconhecer o local. Mais revoltado fiquei comigo mesmo, por ter dado uma prova de amadorismo na faceta de explorador que eu me alto-alcunhei. Deveria ter me informado antes de partir para quais terras eu iria andar.

Para vocês um conselho, se precavenham deste erro pois a frustação é grande.

Ao final desta passagem relembro um momento em cima da parede da barragem de Capanda quando ficamos ali algum tempo a admirar tudo aquilo em volta e eu a imaginar o tanto de transformações que ocorreram naquele lugar, com aquela gente que transformou aquele lugar (como sobreviveram aos conflitos, engenheiros, encarregados, operários..?) e comigo próprio que me sentia apegado a tudo aquilo e me recordava de um certo jovem estudante de engenharia, com todas as indagações de uma profissão cheia de desafios e que revia suas próprias forças e procurava as respostas para as perguntas que fazia a si mesmo ao ver aquela fila de homens abnegados, no auge dos anos 80, em busca de seus destinos. Naquele momento de 2006 se fechava um ciclo na vida do jovem estudante com algumas respostas para tantas perguntas que ele fizera, dadas pelo engenheiro que ele se transformara. Fui despertado pelos outros dois que estavam ansiosos por iniciar os trabalhos e não entendiam aquela contemplação exagerada do amanhecer no imenso lago do rio Kwanza.


2 comments:

Anonymous said...

A vida é surpreendente!! Foi sem dúvida um acontecimento marcante, como você mesmo disse, "um ciclo que se encerrou". Bonita história e muito bem contada!

Abraço amigo
Sheila (Lusófona)

Anonymous said...

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