Thursday, August 02, 2007

Crônica 15 - Avião, helicóptero, urubu e outros bichos

Crônica 15

Tive a liberdade de saltar vários relatos que poderiam gerar boas crônicas para escrever algo que foi completamente inusitado e que vale um bom texto. Vamos ver se sou capaz.

Atualmente estamos as voltas com a produção de um áudio-visual para respaldar tudo aquilo que está sendo realizado. Para isto, várias estratégias foram criadas com o intuito de conseguir imagens das obras. Desde percorrer normalmente as estradas mais próximas de carro, até fazer isto de helicóptero (helicóptero?!!!!). Pois é!. E mais, esta viagem seria para daí a dois dias. Quando me foi mostrado o roteiro, foi fácil identificar que a maioria das obras que estavam ali, eu as conhecia bem. Então, quem iria??? Eu é claro. Isto me foi dito enquanto me preparava para uma viagem para uma província no Norte do país. Como, em um certo momento da vida, decidi que não me arrependeria de nenhuma decisão que tomasse, quando ficasse velho (tanto é que estou aqui), topei a parada. Pelo roteiro eu teria que ir com a tripulação e a equipe de filmagem para passar 3 dias viajando por TODA Angola.

Logo vi que era pretensão demais dos meus colegas diretores. Haviam trechos nas províncias do sul, (como Cunene e Huíla), nas províncias do norte (como Uíge e Cabinda, a fração de terra sacada do restante do país) no centro (como Cuanza Norte) a Oeste (como Malange e Bié) e a oeste (Como Cuanza Sul). Achei a pretensão demasiada devido ao curto espaço de tempo dado para o início da aventura. Não se estala os dedos e um helicóptero aparece aqui em Angola. Apenas este motivo foi determinante para que a viagem fosse adiada. Passaram-se dois dias de buscas infundadas e nada de helicóptero. Então no final de semana passado ( ficou decidido começar as filmagens por terra, nos trechos mais próximos de Luanda. Fui com a equipe para Viana-Maria Tereza e Kafangondo-Catete. Nada de novo aconteceu, pois estes locais são sempre cruzados por nós e bem conhecidos.


Imbundeiro na estrada Viana-Maria Teresa

Surpresa foi o contato com a equipe de filmagem e identificar o meu papel nesta história, que eu achava que seria de um simples observador. Logo descobri, friamente, que seria determinante para a conclusão dos trabalhos. Apesar de Marcelo, o técnico responsável por todo o projeto áudio-visual, estar aqui a muito tempo (desde 2002), vi que não havia viajado pelo país e, óbvio, não entendia daquilo que ele estava filmando.

A viagem no helicóptero ficou marcada para a terça-feira ,dia 15 de maio. Neste dia acordei às quatro da madrugada e às cinco já estávamos na base aérea com o Major Frank, que estava encarregado de viabilizar este vôo. A espectativa era voar as 5:30 hs. O dia amanheceu e o major começou a distribuir impropérios para todos os números de sua agenda do telefone. “Cadê a tripulação que não chega?” Às 7:00 hs da manhã para uma Van caindo aos pedaços e dela desce um militar que começa a falar com o Major Frank. O Major depois vem a mim e, bastante constrangido, me fala: “Engenheiro Fernando, isto nunca aconteceu aqui, mas o caso é que todas as aeronaves estão proibidas de voar até uma segunda ordem. Trata-se de um comando direto do General que comanda esta frota. Fala-se em uma inspeção de surpresa às 9:00hs. Portanto o vôo está cancelado no momento. É melhor voltares ao seu escritório, que me comunicarei consigo mais tarde.”

Não é preciso dizer da frustação de todos que estavam lá e da sensação de insegurança por trás daquela notícia. A história por detrás dos fatos é que existem duas forças que estão a se digladiar na reconstrução do país. Estão a medir-se, tanto no comando de obras importantes, quanto e, principalmente, no aspecto político. Este trabalho que estamos a desenvolver é para promover as ações de uma das partes, ao qual o nosso trabalho de engenharia está direcionado. A outra, logicamente, não deve estar vendo com bons olhos este esforço de promoção da contraparte. Nesta situação específica, uma das suspeitas é que a informação do vôo (e suas intenções) deve ter vazado e a “entidade contrária” usou de sua influência militar para que este não acontecesse. Refletindo melhor, se estas supeitas tiverem algum fundo de verdade, concluí que deveria me congratular com esta "força" por ter tido o gesto magnânimo de ter embargado o helicóptero ainda em terra e não ter tido a triste idéia de interceptá-lo no ar.

Na sexta-feira, estávamos trabalhando normalmente, na programação de mais uma saraivada de notas técnicas, que nos iriam consumir o próximo mês de trabalho em viagens e elaboração de documentos. Uma reunião inesperada irrompeu na nossa “rotina”. Nesta eu soube que, não só o circuito com o helicóptero voltou às nossas metas, bem mais enxuto, é verdade, como teria um percurso a ser realizado de avião. Nesta nova programação, iríamos realizar pousos com um jatinho em diversas cidades do país onde estivessem acontecendo obras, para filmá-las e fotografá-las. Isto iria acontecer no sábado 15 de maio, e previamente escolhemos as cidades de Lubango, Benguela, Waco Kungo e Malange para os pousos. Elas foram indicadas por serem centros onde as principais obras estão a convergir. Teriam muitas outras que ficaram de fora por um motivo ou outro. O principal deles é que cupriríamos em cada local uma roda-viva de tarefas para voltar e voar novamente, e isto levaria tempo. Teríamos que descer no aeroporto, nos disvencilhar da burocracia angolana relativa a deslocamentos internos de expatriados, procurar as equipes do INEA que nos assessorariam em terra, rodar alguns (ou muitos) quilômetros para chegar aos locais interessantes, filmar, fotografar, retornar ao aeroporto e voar para o próximo destino no mesmo jatinho, que estaria a nos aguardar. Toda esta gincana deveria se encerrar em Malange, ANTES das 17:30hs, horário em que os pilotos ainda tinham autorização para voar de volta para Luanda.


Pela manhã, nossa equipe, composta por eu, Marcelo e o cinegrafista angolano Junior, chegou a Angola Air Service, proprietária do jatinho, às 4:30 da manhã. A nossa aeronave já estava preparada. Conhecemos os pilotos Tiago, nosso interlocutor português, comandante da aeronave e o co-piloto Sam, sul-africano, que nos passava as informações da viagem. Decolamos ainda no escuro rumo a Lubango. O jatinho era excelente e não havia turbulência. A hora e meia de vôo foi um sono só. Chegamos em Lubango e não tivemos muitos problemas com a burocracia. A tarefa lá não era fácil. Tínhamos que rodar 50km para chegar no objetivo principal, o trecho do acesso a cidade de Matala, com 132 km que a Andradre Gutierrez concluiu e está funcionando como vitrine do programa de reestruturação das estradas. Estes 50km faziam parte da tarefa, pois liga Lubango a este entrocamento de rodovias e estava sendo restaurado pela Planasul, empresa de capital brasileiro.


Nosso jatinho(direita), pronto para sair.

Ao sair do aeroporto, vi meus velhos companheiros de outras jornadas pelas terras da Huíla, o Director Florêncio Teófilo e Pistola, o grande contador de histórias.
Estavam sem entender muito o que viríamos fazer, mas sabiam da importância da nossa visita. Explicamos os objetivos e partimos em direção ao início do trecho. No entremeio do percurso, pude rever minha paixão pela cidade, que considero a mais deslumbrante de Angola. Não pude ver os melhores locais, mas o que foi visto bastou para encantar Marcelo, o diretor de áudio-visual. Ele percebeu uma mudança de mentalidade das pessoas, comparando com Luanda, era relacionada com a recepção dos visitantes e a limpeza da cidade. Entramos no trecho e começamos os trabalhos, com muitas oportunidades para imagens com as máquinas trabalhando na pista. Filmamos o estaleiro e o laboratório da empresa Planasul (fotos). Fomos em seguida para a rodovia em mais evidência, cuja restauração foi financiada pelo governo brasileiro e os trabalhos realizados pela Andrade Gutierrez. Aliás o governo brasileiro está com uma carteira de finaciamentos aqui em Angola da ordem de 1,2 bilhão de dólares, até a presente data (06/06/07), somente em rodovias.

Kandonga na estrada da Andradre Gutierrez

Eu já a conhecia da época das obras, mas vê-la toda sinalizada no meio das paisagens angolanas realmente causou um diferencial para quem gosta de ver as coisas darem certo na sua área de atuação. Andamos 15 km nela e retornamos, pois o nosso tempo estava indo pro gargalo. Mas foi o suficiente para perceber o excelente impacto que a nossa engenharia, tão criticada, está deixando no restante do mundo. E não é a toa que as nossas principais construtoras estão aqui.

Chegamos de volta ao aeroporto às 11:10hs e nos despedimos da nossa eficiente dupla de terra na província do Huíla. Aterramos em Catumbela, base militar da província de Benguela. Escolhemos descer na base, pois ela fica na beira da estrada que era o objeto de nossa atenção. Logo ao descermos da aeronave fomos cercados pelos militares que queriam saber quem éramos e o que iríamos fazer. Eu estava com minha pasta cheia de credenciais e não houve problemas em nos identificar e dizer o porque descemos ali.

O problema aconteceu com os nossos aconpanhantes em terra que não estavam presentes na base para nos receber. O que devia ser uma parada rápida, já começou com atraso de 30 min que foi o tempo perdido a espera da equipe de Benguela. Ao chegar os benguelenses, conhecemos Zelito que foi nosso anfitrião. Este não entendeu muito o espírito do levantamento e nos meteu por dentro do trânsito de Benguela para nos levar para conhecer o Engenheiro da Mota-Engil, empresa portuguesa que está duplicando a rodovia, (bem devagarinho!). O que era para ser uma parada rápida, foi onde perdemos mais tempo. Após conhecermoso tal engenheiro, voltamos ao trecho com quase uma hora de atraso. Começamos os trabalhos de filmagem e soubemos que o estaleiro que nos interessava estava a uns 2 km da pista. Entramos a direita em uma estradinha arenosa, como todas em Benguela. Reencontrei então a aridez daquela terra qie já recebe as influências do deserto da Namíbia. Não deixa de ser interessante, e porque não dizer bonito, aquela variação de tons de areia quando se sabe de onde vem e quão profundo estas características físicas chegam. Elas evoluem até virar um deserto.


O estaleiro da Construtora na "aridez" de Benguela.

Filmamos o estaleiro da empresa perdido naquele meio-ambiente inóspito (foto) e voltamos para a estrada (que é quase a beira-mar), até o rio Catumbela, já próximo a cidade de Lobito. Fomos ver como estavam as obras para a construção da nova ponte sobre este rio, por onde deverá passar o tráfego da estrada. Deverá ser uma ponte de um porte ainda não visto em Angola. Infelizmente só fora realizada uma leve terraplenagem nas margens, para abrigar o depósito de materiais.

Voltamos para a base aérea, onde os pilotos foram proibidos de ficar dentro do avião e, como não quiseram ficar nas salas de espera da base, equipadas com ar-refrigerado, mas longe do aparelho, estavam a nos esperar deitados à sombra da asa. Foi uma visão diferente e engraçada, a considerar, com o perdão do comentário sarcástico, que os dois, apesar de toda a tecnologia que comandavam, estavam menos confortáveis que um motorista de praça.

Voamos em direção a terceira etapa em Wako Kungo. Nesta eu tinha amplo domínio da situação, pois estava sob domínio de nossa empresa. Eu já havia contactado com Raymisson Cardoso, Engenheiro residente nosso lotado nesta cidade, e descrito mais ou menos o que deveria acontecer nesta passagem. Defini com ele as providências que deveriam ser tomadas. Ao descermos Berilo Medeiros e Eduardo Mesquita, outros de nossos engenheiros lotados em trechos próximos, já estavam a nos esperar. Eles trouxeram equipamentos que estavam faltando em Waco e que deveriam aparecer nas filmagens, ficaram então, com Raymisson para ajudá-lo nas providências para a nossa passagem. Neste dia tive orgulho de nossos colegas do interior, pois eles estrapolaram o que fora acertado e montaram uma verdadeira linha de produção de estradas, onde todas as etapas estavam contempladas. Além disto escolheram um cenário fora de série, aos pés da rocha Waco, que virou a página principal para a declaração do Ministro das Obras Públicas. Para conseguir tudo tiveram que convencer os empreiteiros e fazer com que toda a equipe ficasse a nossa espera sem almoçar até às 16:00 hs.


Linha de produção em Waco.


Corremos para o aeroporto, onde os pilotos estavam agora bem acomodados na sala de espera, em confortáveis poltronas. Lembrei da cena vista na Base aérea de Benguela e voltei a rir novamente. Ainda faltava uma etapa da viagem. O Comandante Tiago veio até mim e senteciou: “Engenheiro temos que ir direto para Luanda. Devido a hora não posso pousar mais em Malange.” Vi então a hora, eram 16:50 hs, para chegar até Malange eram necessários 40 min de vôo. Chegaríamos às 17:30 hs, impossível então sair de Malange a qualquer hora que fosse, devido a iluminação da pista. O Comandante já me informara que ele estaria proibido de pousar lá esta hora. Relaxamos então e aproveitei o vôo até Luanda. Não havíamos conseguido fechar a programação conforme o planejado, mas conseguimos 70% de ótimas imagens. E isto me fez ficar contente.

Ao chegar no apartamento morrendo de fome (não comera nada o dia inteiro) e tropeçando em meus próprios pés, recebi um telefonema do nosso Diretor: ”Fernando, o helicóptero está confirmado para amanhã”. Quase o mando às favas, mas a vontade de conhecer Angola por ângulos que poderiam nunca mais ter a oportunidade de ver de novo, me fez esquecer todo tipo de obstáculo e enfrentar uma nova noite mal dormida para sair de madrugada outra vez. Valeu a Pena!

Três e meia da manhã em pé novamente, dia de Domingo (20 de maio), quando todas as pessoas normais estão dormindo, acordo e me preparo para sair. A equipe já estava a minha espera. Chegamos à Base e esperamos o Major Frank. Ele chega e começa a espera pela tripulação. Cinco horas da manhã passa a Van com a tripulação RUSSA. “Mas Major, como vamos fazer para nos comunicar?” Foi o primeiro questionamento. “Bem, eles falam inglês, mas tem um deles que entende português e espanhol. Não sei se foi escalado para esta missão.” Bom já comecei a pensar na possibilidade de usar meu inglês macarrônico (que mal ou bem tem me salvado de certas situações). Mais uns dez minutos aparece um carro de passeio com dois homens à paisana, que desconfiei, lógico, serem oficiais. Nos pediram para entrar no carro e nós três (eu, Marcelo e o cinegrafista angolano Junior) nos apertamos no banco de trás com os equipamentos no colo.

Entramos na pista de aeronaves e uma confusão de pessoas com equipamentos foi surgindo a nossa frente. Esses equipamentos se transformaram em aviões e helicópteros militares. O veículo se dirigiu para uma área onde claramente se identificavam as aeronaves russas. Imensos Antonovs, Tupolevs, Illyushins chamavam a nossa atenção, devido ao gigantismo. Equipes dedicadas a manutenção dessas aeronaves estavam a trabalhar já há muito tempo. Todas elas compostas técnicos brancos e galegos, obviamente russos. No meio daquele plantel aéreo identifiquei os nossos Tucanos, com seus desenhos peculiares, na ponta dos aviõezinhos, formando uma boca de tubarão. Eram usados para treinamento de pilotos de caça. O carro parou em frente de um grande helicóptero branco. Nele vi a nossa tripulação trabalhando arduamente para a missão que iria começar dentro em pouco. A equipe era composta por cinco pessoas. Três com macacão cinza, entre os quais, dois mais velhos na faixa de 35 anos e um bem mais jovem, este com seus 25 a 27 anos, que deduzi seriam os pilotos e o engenheiro de vôo. Os dois restantes eram mais velhos ainda (faixa dos 50 anos), estavam à paisana e se dedicavam muito mais a mecânica do veículo que os outros. O Major Frank chegou e entabulou uma conversa com a tripulação, em russo! Isto se deve a boa parte dos técnicos e oficiais de Angola, terem suas formações na antiga União das Repúblicas Socialistas Sovièticas-URSS. E eles ficavam uma ano a mais do que o tempo de seus cursos superiores. Este ano a mais era exatamente para o aprendizado da língua. E isto ocorreu com engenheiros, médicos, oficiais, etc. Principalmente entre as décadas de 70 e 90.

Os Tucanos Brasileiros na Base Aérea

O Major me chamou e apresentou alguns da equipe russa, Esvânia era o jovem piloto e Alexiev era o engenheiro de vôo/piloto e (felizmente) o nosso interlocutor que falava um português misturado com espanhol e inglês. O Comandante não se prontificou em nos conhecer, ficando em seus afazeres, subindo e descendo da aeronave (percebi que se devia a barreira da linguagem). A partir deste momento, todas as nossas conversações com a equipe eram dirijidas ao simpático Alex, que também gostava de filmar com sua câmera. Definição do roteiro, forma da aeronave se comportar na hora das filmagens e como se deveria posicionar em relação a estrada, foram as orientações que nossa equipe passou aos russos. Eles tinham um mapa de Angola, bastante detalhado, que tornou mais fácil a minha tarefa inicial de indicar os nossos objetivos. Mostrei assim que deveríamos ir para o sul pelo litoral até atingirmos a cidade de Benguela. Lá deveríamos filmar a via expressa entre Lobito e Benguela. Depois tomaríamos a direção leste, em direção a cidade de Caála. Nela filmaríamos a estrada até a cidade de Huambo. Daí tomaríamos a direção norte acompanhado o corredor de obras da EN 120 até Luanda.

Foi a hora dos russos nos passarem as informações da aeronave. O helicóptero era um MIG 25, prefixo 1881, da década de 80, e apesar da idade estava muito bem conservado, aparentemente, é claro. Ele iria voar a uma velocidade equivalente a 250 km/h. Não haviam cintos de segurança à mostra. Os bancos eram retráteis e colados às paredes, voltados para o interior. Deveriam caber umas 15 pessoas dentro. Tinha um tanque de combustível reserva no espaço interno, que atrapalhava os passageiros. Havia uma bagunça, parecida com a de uma oficina mecânica, que atrapalhava mais ainda. Alexiev informou que as escotilhas abriam, facilitando quem desejava tirar fotos. Proibiu, é claro, de se jogar qualquer coisa para fora. Como norma de segurança, delimitou uma área, próxima à porta, e proibiu a permanência de qualquer um nela enquanto a porta estivesse aberta na hora das filmagens. Ressalvou ele e Junior, o cinegrafista, o qual passou a explicar sobre o cinto que teria de colocar nele nesta hora. O cinto pegava pelas coxas e pelo tronco com um cabo de aço às costas. Alex me lembrou que deveríamos descer em Huambo para manutenção e abastecimento.


Aeronave da missão - Helicóptero MIG 25

Chegada a hora da partida os russos começaram a se agitar e um dos mecânicos desceu da aeronave para olhar os rotores. Estes começaram a funcionar e a produzir um barulho, que não havia possibilidade de comunicação dentro do aparelho, juntamente com uma ventania muito forte ao seu redor. Olhei pela escotilha e a ventania estava fazendo com que as hélices dos tucanos brasileiros rodassem. O mecânico que estava fora ficou olhando para o rotor principal e fazendo sinal de positivo para a tripulação. As portas foram fechadas e a tripulação se posicionou. O helicóptero começou a taxiar na pista, contornando as outras aeronaves estacionadas. E então começaram as surpresas de uma viagem que ficará marcada para sempre em minha lembrança. Em cada aparelho contornado começou um ritual que me fez repensar a imagem de frieza que eu tinha sobre o povo russo. Todos os membros das equipes de manutenção que estavam em terra e dentro das aeronaves começaram a acenar e a celebrar aquela equipe que partia. Era muito emocionante ver que de cada gigante de metal estacionado, saiam maozinhas das janelas dos pilotos para saudar os colegas em missão. Todos os mecânicos pararam seus afazeres para se perfilarem e desejarem boa sorte a aqueles que partiam. De aeronave por aeronave aquilo ia acontecendo. Realmente aquele calor humano russo foi fundamental para quem estava nervoso devido a responsabilidade do trabalho a ser feito e ao desconhecido que aquela tarefa representava. Aquele episódio me fez ver a importância de tomar cuidado com os pré-julgamentos, principalmente os que se referem a uma população inteira.

O helicóptero chegou a uma área que parecia ser o heliponto. Parou de taxiar e se preparou para voar. Nesta hora me senti desconfortável. A sensação de alçar vôo sem estar atado por um cinto de segurança não foi muito bem recebida pelo meu cérebro. Finquei os dedos nas extremidades dos bancos de metal e esperei a decolagem. Esta se deu muito mais calma e suave do que eu esperava. De repente já estávamos ganhando altura e depois voando por sobre Luanda. O barulho era muito grande e toda a comunicação era feita por sinais ou diretamente no ouvido do interessado. Isto me fez lembrar o ótimo filme “Diamantes de sangue”, que se passa em Serra Leoa, sobre o tráfico de diamantes na África, inclusive em Angola (com Leonardo de Cáprio e Jennifer Connely - wwws.br.warnerbros.com/blooddiamond/). Nele há uma cena onde os protagonistas viajam em um helicóptero do mesmo tipo e conversam normalmente dentro dele. Para mim, depois de passar por aquela situação, isto é pura fantasia.

Passamos pelas favelas próximas ao aeroporto e voamos pelos bairros mais nobres em Luanda Sul. Os dois pilotos (o Comandante e Esvânia) procuraram ir se aproximando do litoral, mas antes tivemos um encontro com as curvas insinuantes do rio Kuanza e toda a vegetação nativa que o margeia, e forma um mosáico de florestas abertas e savanas. Eu ficava cada vez mais deslumbrado e empolgado com a oportunidade que estava tendo. A sensação que eu tinha era a de estar em um velocíssimo automóvel, com a janela aberta, voando a 300 ou 400 metros de altura sobre uma terra quase virgem.


Aeroporto 4 de Fevereiro visto da aeronave.

Interior da Aeronave.

O aparelho chegou então próximo ao litoral da província do Kuanza sul e eu ficava cada vez mais impressionado com a beleza das paisagens. Meu dedo não parava e qualquer olhada era um motivo para bater foto. Comecei a perceber que as praias iam sumindo e o litoral chegava ao mar em alturas variadas, os chamados fiordes. A constatação foi simples:- Até Benguela a maioria do litoral de Angola é alto, sem praias. Isto quer dizer que a beleza do litoral é diferente do nosso. Onde há praias existe uma aldeia ou cidades. E assim foi, passamos pela praia de Caboledo, por Porto Amboim, Sumbe e mais um pouco chegamos a Lobito para o nosso primeiro objetivo.

Chegando ao litoral.

Praia de Caboledo.

Fiordes Angolanos.

Praias

Cidade do Sumbe.


Em Lobito, Rio Catumbela em seu leito canalizado.


Hora da filmagem.


Chegada a Benguela.


Entorno da rodovia Benguela/Lobito

A aeronave se posicionou em um ângulo de ataque e dentro Alexiev saiu da cabina e preparou Junior com o cinto de segurança. Abriu a porta e sentou-o em um banco que se prendia ao lado da porta. O helicóptero partiu para uma posição lateral à rodovia, que permitiu viasualizar todos os seus detalhes. Vi os locais que havia visitado no dia anterior e a calha do rio Catumbela me chamou mais atenção. Ela serpenteava no meio da cidade do Lobito. Passei então a orientar os pontos onde seria mais interessante o registro de imagens. Como esta rodovia não era extensa (15 km), voltamos filmando pelo outro lado após chegar a Benguela e antes de tomar o rumo de Caála.

Ao chegar a Lobito novamente os pilotos fizeram uma curva de 90 graus para a direita e começaram a ganhar altura. Alexiev recolheu os equipamentos de segurança e fechou a porta e voltou a cabina. Começaria ali uma das maiores emoções da viagem. Os pilotos, guiados por seus instrumentos, se voltaram para a direção de Caála e este trecho entre estas duas cidades foi o mais extasiante que eu já tivera oportunidade de ver em todo este tempo passado em Angola. Acho que muito dificilmente verei paisagens africanas tão maravilhosas como vi nestes trinta minutos de vôo. As paisagens se alternavam entre rios com vales belíssimos e montanhas que mostravam sua imponência com lugares inóspitos onde poucos (ou ninguém) haviam estado.




Vales e picos do trecho sobrevoado entre Benguela e Caála.

Nestes vales tentei fixar os olhos para ver se via algum tipo de animal (elefantes sempre foram o objetivo). Nada! Nunca perdi a esperança de vê-los. Mas se mesmo de helicóptero não consigo, está ficando cada vez mais difícil mantê-la. A aeronave seguia diblando os obstáculos das grandes montanhas e nos oferecendo sempre novas e impressionantes paisagens. Nunca foi como nas dezenas de vôos que fiz de avião. O Cacimbo (camada de nuvens cinza que se alastra por toda Angola) e a altitude dos aparelhos nunca nos mostraram a face deslumbrante destas terras.





Maravilhoso, mas e os elefantes hein?!

Alexiev de repente sai da cabine e entra na área onde estávamos. Isto queria dizer que o próximo objetivo se aproximava. Caála estava se mostrando aos poucos com suas planícies. Algumas casas foram aparecendo e logo após a estrada. Esta em estado precário, contra a informação que eu tinha de uma estrada com sua restauração quase completa, faltando apenas alguns serviços para se concluir. A equipe estava esperando que eu me pronuciasse para iniciar as filmagens. Só autorizei quando em um certo ponto percebi o início do revestimento novo na estrada tendo assim a certeza dos serviços de reabilitação. Realmente a estrada estava em ótimas condições . Em meio a isto algumas lindas vistas apareceiam para nossos olhos. Foi assim de Caála a Huambo.

Estrada Caála-Huambo.

Foi interessante chegar daquele modo a Huambo, cidade que visitei por três vêzes, e verificar o ordenamento urbano da cidade. Ela foi projetada pelos portugueses e tinha o nome de Nova Lisboa antes da independência. Verifiquei por cima, toda aquela ótima distribuição de espaços, que havia percebido por terra. O helicóptero contornou a cidade em busca do aeroporto e eu continuei a observar, enquadrando os bosques e áreas verdes urbanas, que havia visto em 2005 e 2006. Chegamos finalmente ao aeroporto e descemos em uma área restrita. Restrita aos aviões, pois logo que descemos fomos rodeados por vendedores de frutas. Achei uma situação totalmente inusitada, uma área de aeronaves com aquele pessoal todo ali. Ao meu espanto, Esvânia repondeu sem dar a mínima importância ao episódio, comprando um saco de laranjas. Estes russos são realmente muito safos . Maior prova disto tive quando o mecânico que foi no vôo começou o seu trabalho de manutenção, abrindo toda a parte superior do aparelho. Ficamos observando aquela peças serem retiradas, limpas e recolocadas no lugar. Fiquei me perguntando se alguma fosse mal colocada que efeito isto teria no vôo. Procurei não ver mais aquilo e sai do aeroporto com Marcelo para tomar umas cervejas. Terminei achando os deliciosos morangos de Huambo, que me foram vendidos bem mais caros que na cidade. Comprei assim mesmo, para ter, à noite, um prazer especial naquele dia sem precedentes.

Cidade de Huambo.
Ao voltar para o aparelho, vi que o mecânico já havia concluido seu trabalho e o processo então seguia com o reabastecimento do aparelho, em outra posição do aeroporto.

Novamente repassei a Alexiev a nossa rota daí por diante. O comandante veio participar da conversa. Eu disse que deveríamos seguir a rodovia de volta a Luanda, margeando-a. Em alguns trechos fixei pontos onde poderíamos pular, pois as obras ali não nos mostrariam nada. O Comandante então me disse que não haveria problema. Interessante este aparelho. Estando com calor pode baixar naquele riacho e tomar um banho; estando com fome, pode baixar perto de uma aldeia, comprar uma galinha, mandar matar e comer; estando com vontade de ir no banheiro, baixa em qualquer lugar que é lá. Tudo pode ser feito.

Levantamos vôo e novamente vi o esquadrinhado de Huambo. Partimos rumo a norte pela estrada nacional EN 120. Então o bicho pegou! O aparelho agora voava baixo e os pilotos ficavam ziguezagueando para fugir dos morros que ficavam ao lado da estrada. Aquilo não fez bem para o meu estômago. Tive náuseas o tempo inteiro, com o agravante de ter que ficar ligado no trajeto da aeronave. Os primeiros locais a tripulação acertou, mas houve lugares que pedi para pular pois nenhuma movimentação de obra havia acontecido. E comprovei o que falara anteriormente. O aparelho se afastava da estrada, ganhava altura e em poucos minutos aparecia exatamente o local que eu queria, sem maiores problemas. Parecia um videogame. Belo sistema de orientação.

Trabalhos de terraplenagem em Huambo e Alto Hama.

Ponte sobre o Rio Keve restaurada (lembram, Crônica 7).

E foi assim que, meio verde devido ao enjôo, passei por Alto Hama, Waco Kungo, Quibala e Munenga, locais que fizeram parte das minhas atividades em Angola, as quais muitas passagens foram relatadas aqui nestes posts.


O Forte de Quibala.

Quibala, cidade destruída pelos conflitos.

Pousamos na Base Aérea de Luanda sem uma viva alma para nos receber naquela tarde de Domingo. Ficamos a observar os russos nos preparativos de checagem final dos equipamentos e vedação da aeronave. Nos despedimos de todos os integrantes da tripulação e uma Van os levou para longe de nós.

Ficamos lá os três no meio daquelas máquinas todas sem ver ninguém. Não adiantava ligar para o Major que ele dizia estar chegando. Fomos ficando, ficando, ficando… Após 45 minutos de espera, nos atiramos na frente da única Van que, por sorte, passou para pegar uma outra tripulação que estava para chegar. Imploramos ao motorista que nos tirasse dali, pois fôramos esquecidos. Ele como bom angolano, não queria abandonar a sua tarefa para nos socorrer. Depois de um longo trabalho de convencimento ele nos deixou fora da Base. Foi assim que terminou estes dias de aventura aérea. Na rua, sem transporte, esperando...

E o urubu, o que tem a ver com a história? Bem, este foi o apelido que ganhei por aqui depois desta maratona toda. Até agora ainda não me assumi como tal, mas se é pra ser urubu, que pelo menos seja Urubu-rei.

Sunday, April 15, 2007

Crônica 12 - Um certo mosquito, futebol e viagens



Faz 15 dias que cheguei para a temporada inicial de 2007 e só agora tive condições de me sentar para recomeçar os relatos do que já passou. Houve, não escondo, um certo desleixo com a escrita, mas estou mais motivado a relatar, devido aos amigos que de alguma maneira estão apreciando o que está sendo informado. Outras pessoas que não conhecia, de lugares diferenciados, estão mandando comentários, algumas vezes positivos! A isto agradeço ao poder da tecnologia, que disponibiliza suas ferramentas para que os amigos, antigos e novos, possam ter acesso ao que deve ser lido, sem intermediários ou desembolso. Boa parte destes agradecimentos vai para a comunidade do site de relacionamentos - Orkut - “Brasileiros em Angola” de meu amigo Álvaro Barros, que espero um dia conhecer verdadeiramente. Álvaro colocou uma indicação para o blog na apresentação da comunidade. E isto aumentou verdadeiramente a visitação na página.

Noto um acúmulo de informações que deveriam ter sido passadas e que as atividades do ano que acabou não permitiram que fossem. Percebo que muitas coisas que aconteceram já não são mais tão inusitadas quanto antigamente. Por isso achei um boa solução resumir todo o resto do ano de 2006 nesta Crônica. Espero ter este poder de síntese e mostrar toda a grandeza desta experiência nesta terra cheia de riquezas e contradições.

Após a inesquecível viagem as províncias de Kuando Kabango e Huíla (relatada na Crônica 11), ocorrida em maio de 2005, nos preparamos para o grande evento mundial que é uma Copa do Mundo. Acompanhá-lo em Angola, seria uma oportunidade impar de verificar todo o impacto deste evento em um país como este. Após os conflitos o Futebol tomava força em Angola e o país estava classificado para o Grupo D, juntamente com Portugal, México e Iran.

Mas antes de tudo começar, tive uma experiência das mais significativas e que não teve nada de gratificante. No início de junho, realizamos um trabalho noturno no Instituto de Estradas de Angola, para concluir um relatório que durou a noite toda, até o início da manhã. O resultado veio uma semana depois, ao final da tarde, com uma apatia no corpo em estado febril e dores nas articulações. Nesta noirte cheguei a meu recorde de febre – 41ºC . Todos que estavam ao meu lado acharam que o termômetro estava com defeito.
Na manhã seguinte fui fazer o “pico” (exame de sangue) na clínica Endiama – financiada pela empresa exploradora de diamantes . Depois de uma espera de 1 hora, o resultado foi o que eu já esperava. Quando um resultado positivo já seria 1xcampo, o meu deu 20xcampo, ou seja quase campo fechado. Malária na cabeça!




Distribuição da Malária no Mundo



Após uma espera de 3 tortuosas horas para a consulta médica, o médico quis ouvir a opinião de um especialista. Fui então internado por mais umas duas horas. Como já estava em Angola a quase 1 ano, o especialista achou que eu já possuia uma certa imunidade e não viu razões para me deixar no hospital, como seria de praxe para um estrangeiro com pouco tempo no país, mas me fez sair com uma receita que parecia mais um tratado médico. Havia remédio para combater a doença (um quinino mais sofisticado), havia remédio para apoiar este combate, havia remédio para o fígado que seria atingido, haviam vitaminas e haviam os anti-térmicos.

O mais difícil de tudo começaria a partir daí. Esta carga diária de remédios fazia miséria no organismo e nos três primeiros dias quase não comi, e o que comi não ficou. O enjôo era terrível e a febre constante. Esta situação continuou por três dias. Três longos dias de calafrios e jejum forçado. No quarto dia de medicação, o apetite foi se começando e os efeitos colaterais dimnuindo, juntamente com os efeitos da doença. Passei uma semana e meia sem poder trabalhar, perdendo a viagem para o Kuito e Menongue. A medicação pesada terminou no quinto dia, mas o restante continuou por uns quinze dias. Passei uma abstinência de alcoólica de 3 meses, para que o fígado pudesse se recuperar.



Ciclo de Vida da Malária



Neste meio, começa a Copa e antes, pude verificar o apego do angolano a sua seleção com o merchandasing em cima dos jogadores e do técnico. As propagandas celebravam a entrada da seleção na elite do futebol e algumas falavam em “botar a mão na taça”. O dia do embarque da seleção para a Alemanha foi espcialíssimo, com discurso presidencial e canhões de laser da ilha em direção a marginal da baía, onde havia sido o evento da despedida. Os jogadores e a comissão técnica pareciam astros de cinema e foram ovacionados por uma grande multidão esperançosa de uma boa participação no Mundial. Sair naquele dia para uma caminhada foi difícil, tal a quantidade de gente na rua. E creia, isto aqui não é muito bom, principalmente se tiver bebida no meio.

O jogo inicial seria contra o principal adversário nesta Copa. O nosso ex-colonizador Portugal. Havia grande expectativa para ele, pois desde a definição das chaves, este jogo estava sendo encarado como mais uma espécie de revanche contra o país que até pouco tempo, detinha a chave de Angola. Frases como -“podemos perder o resto da Copa, mas este jogo temos que ganhar”- ouvi de alguns. Outros mais precavidos tinham um pé atrás, exatamente pela direção “mão-de-ferro” de Filipão Scolari e por alguns jogadores da seleção portuguesa, por pertencerem aos times que eles próprios têm coração e torcem exaustivamente no campeonato português e nas Copas européias. Antes da Copa Angola fez um amistoso contra a Argentina onde perdeu de 2x0. Não fez feio, mas também não deu nenhuma esperança pra ninguém.

O Jogo do dia 11/06/06 foi ruim de parte a parte, mas aquele gol de Pauleta, logo no início do jogo e a incapacidade angolana de articular qualquer tipo de jogada que traduzisse em um ataque, fez com que os mais otimistas levassem um banho de realidade e realmente achassem que foi um grande negócio este placar. Mais pela pífia performance de Angola na partida e menos pelo desempenho de Portugal, que em sua estréia não jogou nada.

Associado a esta torcida, vinha a cobrança pelos resultados do Brasil que o povo angolano jurava que estaria na final. Como nosso selecionado não correpondeu desde o início, a cobraça aumentava. “O Brasil está a jogar muito male, quando ele vai melhorar?”. E explicávamos que na Copa era assim mesmo, havia anos que o Brasil só engrenava na reta final, mas a cobraça continuava.

O Jogo com o México, no dia 16/06/06, mostrou uma seleção angolana menos aparvalhada com o peso da estréia, contado com seus jogadores de meio, como Figueredo, conseguiu conter a forte seleção mexicana e arrancar um suado empate sem gols. Com isto o país veio abaixo e não tivemos coragem de sair para as comemorações. Soubemos de locais que a turba parou o fluxo do tráfego, sendo necessária a presença da polícia para este voltar fluir. Alguns membros da nossa equipe, que moram no condomínio Nova Vida, a 19 km de distância do centro, e têm que atravessar toda uma zona de favelas formadas pelos refugiados da guerra, sairam ao final do jogo e foram surpreendidos por uma multidão eufórica que invadiu as pistas de uma via de ligação e ameaçaram os ocupantes do carro, subindo neste com pneus, não dando condições de trafegar na Avenida. Foi preciso muita perícia e sangue frio para sair daquela situação.

E o Brasil passava pela Austrália, mas não convencia. E mais reclamações dos angolanos – “O Brasil assim não cheeega! Está muito maaale!”

No jogo do dia 21 de junho, Angola tinha uma chance de se classificar para as oitavas de final. Tinha que vencer o Iran e esperar que Portugal vencesse o México por mais de 1 gol de diferença. Neste jogo vi até onde queria chegar o técnico Oliveira Gonçalves. Angola fez seu primeiro gol em copas do mundo através de Flávio e foi um estupor para a nação. Ver a emoção das pessoas foi impressionante. Um gol para esta nação significava muita coisa. Significava que estavam ali não só para participar, mas para influir, fazer diferença e realizar sonhos. Para dizer que apesar de tanto tempo nos porões da história, bastou apenas 5 anos para que pudessem aparecer para o mundo de forma determinante. Pessoas de nosso convívio chegavam a chorar de emoção.

O que nos irritou na partida foi o medo do técnico de tentar um esquema de jogo mais aguerrido, que pudesse fazer o time conseguir subir mais um degrau nesta história. Oliveira Gonçalves pareceu que se apavorou com o gol que sua equipe conseguiu e terminou tirando suas peças chaves e colocando jogadores de marcação para garantir um jogo que estava apenas no primeiro tempo. Não deu outra, o Iran encurralou Angola, empatou e quase ganha. Era notório o alívio do técnico ao final do jogo, achando o máximo o seu feito de levar Angola ao terceiro lugar do grupo D, quando o que ficou evidente foi sua falta de coragem e sua pequenez em relação a objetivos.

O povo de Angola felizmente não concordou com minhas impressões sobre o seu técnico e a performance do seu selecionado. Todo o país foi unânime com a opinião de Oliveira Andrade e o importante foi não fazer feio no Campeonato do Mundo– Palavras do próprio Presidente José Eduardo dos Santos – no que o povo aquiesceu e saiu as ruas para aplaudir seus conterrâneos que chegavam de tão árdua batalha.

Após a saida da seleção angolana da Copa, nos restou o Brasil com sapatos altos em vez de chuteiras. E como ninguém esqueceu, é uma página a ser virada no nosso futebol. Interessante contar as reações dos angolanos em relação a nossa seleção. Todos a quem perguntava diziam que iriam torcer por nós canarinhos. Esta determinação não resistiu ao próximo jogo, nas oitavas de final. Gana era a bola da vez e o país se uniu contra nós.

Gana representava a nação africana e de forma nenhuma poderia perder o apoio dos angolanos. Eu ainda tentava convencer os mais conhecidos – “ Mas, quantos ganeses você conhece? - perguntava eu. “Nenhum” – era a resposta de todos – “ Mas temos que apoiar os africanos”. E eu pensava nos nossos laços de fraternidade com eles…os argentinos! E ficava indignado.

Passou-se Gana e vieram os franceses. Fomos ver o jogo em um clube onde os brasileiros ligados a engenharia civil iriam se encontrar. Juntos vieram angolanos trazidos por estes para torcer pelo nosso país. Desde o início da partida nenhum deles torceu. Afrontaram-nos de propósito e torceram pela França, que deu um banho na nossa seleção. Ao final do jogo nós brasileiros estávamos frustados com a seleção e revoltados com os angolanos, que continuavam a nos provocar. Então um grito uníssono e repetido de - “É penta! “ - ecoou no pavilhão do clube, abafando a galhofa dos africanos que tiveram que se render a nossa tradição e sairam do clube acompanhados por todos que gritavam na seqüência – “Sou brasileiro, com muito orgulho e muito amor”. Foram reações tolas que conseguiram irritar os angolanos e limpar a alma dos verde-amarelos. Eu de minha parte não vou esquecer uma situação destas, que proporcionou um embate frontal de opiniões que nos levou a reações nacionalistas para defender a nosso orgulho. Por qualquer motivos sejam, principalmente o futebol. Aqueles momentos foram o melhor que aquela seleção pôde nos proporcionar na Copa de 2006.

Passado o Campeonato Mundial, voltamos a nossa rotina (sem rotina) de viagens. Voamos novamente para Huambo para percorrer e analisar o trecho que começaria 20 km dali. Seria a estrada EN 240, ligando as cidades de Caála e Ganda. Em Huambo a temperatura não estava tão fria como a da primeira vez no mês de setembro. Dormimos no mesmo hotel Konjevi e uma ótima notícia foi a estação dos morangos que estava no meio. Foi uma verdadeira farra de morangos. Morangos com mel, caipirinha de morango, licor e sobremesas. Nunca vi morangos tão doces e, por não terem estrutura de venda para longe, não havia valor agregado. Tudo o que se produzia era vendido na região mesmo. Desta forma foram os mais baratos que já comprei.



Os mais deliciosos Morangos !


Iniciamos os trabalhos em duas carrinhas, a primeira com nossa equipe (eu, Sidclei e Janilson), e a segunda com uma equipe da Coba, empresa consultora de Portugal, encarregada da elaboração do projeto executivo. Foi interessante a convivência com o engenherio português Paulo Jr. Ele observou a nossa metodologia de trabalho e nós a dele. Houve muita troca de informações onde ganhamos todos, inclusive quando estas informações eram trocadas nas rodadas de cerveja a noite no restaurante Imperial em Huambo.


Caála vista de cima.



Início dos trabalhos em Caála.

A região era uma repetição de adjetivos que tanto já foram usados aqui. Belezas naturais eram vistas por nossas janelas e todas as mudanças de visão poderiam virar belas fotos. Imagem de Caála. Iniciada em Caála, a 20km de Huambo, a estrada segue para oeste na direção de Benguela, ou do Oceano Atlântico. Passa por cidades que tiveram uma certa punjança antes dos conflitos.

PaisagensAngolana


Na cidade de Ucuma fôra instalada, na década de 60, uma indústria de papel que mudou a forma de ocupação da região, criando-se vilas e ocupando-se cidades. Florestas de eucalíptos e pinheiros foram plantadas. Com os conflitos a região fora ocupada por forças da UNITA e as batalhas por sua posse não permitiram que o empreendimento prosseguisse. Atualmente o que se econtram são vilas fantasmas, ou invadidas, cidades desestruturadas, e uma imensa fábrica à beira da estrada, com seus equipamentos obsoletos e inoperantes no seu interior. As florestas estão com árvores de grande porte esperando corte e o conseqüente replantio.

Florestas de eucalíptos e pinheiros.

Vilas abandonadas.

Ucuma.

Haviam 12 pontes no trecho das quais 6 foram destruídas e seus destroços encontram-se ainda na estrada como monumentos a barbárie da época. Marcações das empresas de desminagens estão nas estradas, principalmente na divisa das províncias de Huambo e Benguela. Chegando a Ganda, após ter passado pela comuna de Catumbela, onde vimos uma Igreja construída em cima da rocha, encontramos um aeródromo com inscrições das mais temerárias incicando que toda a margem da pista estava transformada em um campo minado que ainda não fora extinto. O problema era que não se divisava o limite da pista do aeroporto e da estrada, ficando difícil de saber onde estavam as minas.


Ponte do trecho.


Igreja sobre laje rochosa.

Chegamos a Ganda, e nos supreendemos que depois de toda esta Odisséia, ainda encontramos uma cidade organizadinha como ela. Incrível tudo que foi feito por Angola pelos portugueses antes da guerra. A cidade é bastante aprazível, com ruas e avenidas largas e um clima tropical de altitude, que deixava uma temperatura bastante agradável. Haviam praças enormes e as ruas eram todas arborizadas. Foi excelente a supresa para a equipe. E custa acreditar que depois de encontrar só desolação e abandono, durante o trajeto, ainda surjam cidades como Ganda, que nos leva a perguntar como subsistiram a tudo, ainda se mantendo íntegras?

Depois de tudo encontramos Ganda.

Iniciamos a nossa volta, com o trabalho concluído, às 15:30 hs, percorrendo todo o trajeto que havíamos estudando. A noite chegou quando ainda estávamos na estrada. E noite na estrada em Angola, é sinônimo de Lua e céu estrelado e só. A escuridão só não é total devido a esses dois elementos iliminado e liminosos da natureza. Todas as aldeias e comunas estão sem iluminação. Nesta viagem então nos surpreendeu uma fazenda toda clara, com a entrada principal e suas dependências totalmente iluminadas por postes com lâmpadas de mercúrio. Sabíamos que aquela luz toda era fruto de geração particular. Perguntamos de quem era a tal fazenda, que era um oásis de luz enquanto todo interior de Angola estava apagado. A resposta veio sem nenhuma emoção e foi recebida com o mesmo entusiasmo – “ É do governador da província do Huambo”.



Continua....