Saturday, January 26, 2008

Um Dia que ficará

Crônica 13 - A viagem seguinte nos fez voltar a Lobito que seria o ponto de partida. Teríamos que sair de lá e, pela EN 250, chegar a Alto Hama, região centro-oeste de Angola.. Estes caminhos já me eram conhecidos desde 2005, quando voltamos de nossa primeira temporada em Huambo (Crônica 7), na ausência de aeronaves, utilizamos esta via para voltar pelo litoral (EN 100). Encontrava-se em condições desesperadoras, mas foi nela que eu tive uma das visões mais belas de Angola. As montanhas do vale de Loundovale, cheias de histórias de emboscadas nos conflitos, mas de uma beleza fenomenal ao entardecer (fotos Crônica 7). Como sempre, éramos 2 delegações. A primeira com 3 engenheiros brasileiros e a segunda, a delegação angolana composta por 4 pessoas, 3 engenheiros e 1 arquiteto. Dois destes estavam com a tarefa de fazer reconhecimentos para a elaboração da proposta para fazer a desminagem da estrada.


Estrada já conhecida, portais, montanhas e histórias.

A companhia dos novos integrantes, (pois os outros dois -Edgar e Armando- já faziam parte da equipe de levantamentos), foi acima de tudo “engraçada”, pois parecia que os “gajos” tinham ido fazer turismo e pouco estavam ligando para o trabalho.

Nossa equipe que faz.

Encontramo-nos na cidade do Sumbe, almoçamos o bacalhau do príncipe e seguimos para Lobito pela EN 100. Nos instalamos (longe do Grande Hotel!!! – Crónica 7), em um lugar mais aprazível e funcional. No jantar fomos a um espaço que era um misto de restaurante e playground, que apesar do serviço ruim, tinha uma boa comida, além de ser muito bonito. Situava-se na praça onde se encontra o barco-monumento (fotos e descrição na Crónica 7).

O dia seguinte foi singular, não só pelo início da árdua tarefa de coletar dados da longa estrada a nossa frente, como também pelo fato de ser 13 de Julho, dia do meu aniversário. Era o primeiro que passava em terras africanas e quis o destino que ele fosse o mais especial possível. Em uma viagem bem no interior de Angola. Recebi os comprimentos de todos, brasileiros e angolanos e iniciamos os trabalhos.

A questão era dúbia de sentimentos. De um lado existe a necessidade de sobrevivência profissional, e de ouro existem as nossas necessidades humanas, como a de estar ao lado das pessoas que amamos nestas datas. Nesta distância e com a impossibilidade de comunicação, tudo se tornava mais difícil. Consegui diferenciar duas reações. A primeira a do sentimento de abandono, apesar das tentativas de comemoração mesmo, nestas condições. A segunda reação é a instigante sensação de chegar mais longe, que motiva certas pessoas, mesmo tendo que sacrificar datas, sentimentos e entes queridos. Nesta hora o despreendimento e a valorização do pouco que se pode conseguir para atenuar sofrimentos são as melhores alternativas. Então para mim sobrou um extenuante dia de trabalho, com muitas possibilidades de tirar boas fotos. Isto tudo fazendo o que mais gosto. Explorar!!!!

Assim explorei de dia uma região que havia passado somente à noite. Vales, aldeias, montanhas rochosas, cemitérios com suas sepulturas criativas e principalmente gente. Víamos sempre muitas mulheres trabalhando como vendedoras de frutas e verduras, lavradoras com suas enxadas, cozinheiras em feiras livres, etc. Tudo isto com a eterna companhia de seus miúdos bebês amarrados às costas.


Explorando tudo, vilas, vales e montanhas.

Quer seja no Sol ou na chuva, eles estavam ali, atrelados à suas mães. Passamos então por Bocoio e assim chegamos a Balombo, onde sentimos que não havia mais visibilidade para realizar qualquer tipo de trabalho. Procuramos por algum tipo de hotel que pudéssemos pernoitar e achamos a tal pousada digna da localização onde se encontrava. Enxerguei uma via de desafogo para a minha situação. Não são muitos os que tiveram a oportunidade de passar o aniversário em uma cidade no interior da África Austral, sem luz elétrica e a comunicação sendo realizada apenas por telefone via satélite.
Quando pus os pés em Balombo, procurei atenuar as sensações negativas pegando o Iridium (telefone por satélite) e ligando para o Brasil para falar com todos os meus. Senti então o fundamental de ouvir vozes queridas nestes momentos. Algo que preenche todas as lacunas.

A pousada encontrada era no estilo “interior da África”, com quartos diminutos com uma janela (fechada, para não me deparar com a mosquitinha de novo) e banheiros fora dos quartos, impraticáveis a qualquer atividade primordial e necessária .



Espaço para integração na Pousada.

Saí com meus companheiros de viagem com a intenção de não deixar a data passar em branco, mesmo em Balombo! As comemorações lá exigem uma boa dose de desprendimento. A opção de sair a pé foi uma aventura a mais, acima de tudo. Não enxergávamos nada a nossa frente e nos guiávamos através de alguma claridade vinda de estabelecimentos providos de geradores (o que acontecia pouquíssimo!).


Balombo meio-dia.
Balombo "by night"!

Ainda andava de resguardo etílico devido a malária (fazia 2 meses mais ou menos que eu havia contraído), mas decretei o final da abstinência naquela noite. Encontramos uma espécie de restaurante/bar/pousada/etc, o local mais propício a comemorações que estava ao nosso alcance. Apesar disto, havia um bom vinho português que regou a noite. E ali , naquela terra que suportou boa parte das andanças e atrocidades de Savimbi e sua UNITA, me senti satisfeito com o que havia sido me concedido. Não pela comida, acomodações, bebida, etc., etc. Mas por ter a plena certeza de que esta data irá ficar gravada e propagada devido ao fato de ter sido passada e festejada em Balombo, interior de Angola, África. Tenho fotos e testemunhas!


Comemoração em Balombo


E a vida continua...