Monday, July 24, 2006

Crônica 9 - Luanda

Crônica 9 - O que fazemos neste país?
A pergunta deve ser mais ampla. O que fazemos da vida que nos levou para este país? Somos na realidade elementos de construção, de melhoria para este povo, ou somos apenas expatriados?
Sinto que algo muito forte me puxou para cá. Não consigo discernir o que. Por hora sinto a extrema necessidade de relatar estes fatos que estão nos sucedendo. Talvez a vanglória é que esteja acima de tudo como motivo principal. Sinto também uma sede muito grande de investigar os fatos aqui acontecidos que deixaram marcas tão profundas nos lugares e nas pessoas.
Na segunda fase pouca coisa ocorreu a não ser a mostra das perspectivas de locais de trabalho, que me parecem muito sombrias e batem frontalmente com os meus desconhecidos limites. Para encará-las devo tentar enlarguessê-los, já que são estranhos até para mim. Se o que se avizinha se configurar verdadeiro, será a experiência mais árdua por que já passei. Um teste físico e psíquico.

Baia vista da Fortaleza de São Miguel.

Final da Ilha e vista do mar na Fortaleza de São Miguel.

Estou tendo mais contato com a cidade de Luanda em si. Na primeira temporada, a orientação era que evitássemos o trânsito louco, as aglomerações, as saídas sem sentido para não encontrarmos com a população e evitar atritos. Realmente tivemos problemas, principalmente com a polícia, que não nos dava trégua, pedindo sempre nossos passaportes na esperança de alguma situação irregular para achacar mais ainda a nossa vida. Lembro de estar na Bahia de Angola as 3 da tarde aguardando um técnico instalar um odômetro de precisão na nossa “carrinha”(uma caminhonete Nissan). Comecei a caminhar apreciando a paisagem. Estava com a máquina fotográfica e não resisti a necessidade (isto mesmo, necessidade!) de levar a bahia comigo. Comecei a tirar fotos como um desesperado, apesar de todas as orientações em contrário. Saí andando e meu dedo tresloucado em cima do botão acionador da máquina registrava a bahia e o trânsito com seus carrões (e também com muita porcaria ambulante). Aquilo era mais forte do que eu e fotografei os ambulantes sentados na orla, com uma moça e seu filhinho atado à suas costas à maneira africana.


Ambulantes na Marginal
Vieram duas zumbeiras lindas com nada mais que uns 14 anos. Fiquei encantado e pedi para tirar uma foto, pois se elas sorrissem na foto como estavam sorrindo, acho que ganharia um prêmio fotográfico. Recusaram, respeitei, uma pena! Continuei andando e cheguei em um local onde achei que a vista havia se tornado mais bonita. Meu dedo enlouquecido começou a funcionar novamente só parando com uma interpelação de um rapaz. – Amigo, para de bater fotos, sou da polícia e aqui é proibido. Vou ter que te prender.




Foto da confusão com a Polícia

Não acreditei que estava sendo preso e comecei uma preleção sobre o turismo mundial, que Angola estava se abrindo para ao povos de fora e que já estava na hora daquela mentalidade mudar. O Guarda não quis conversa. Então o sangue subiu à cabeça e ofereci-lhe os pulsos para que colocasse alguma hipotética algema. – Vai cara, me leva, a embaixada brasileira vai adorar saber que você me prendeu por causa de uma foto da bahia. Vamos lá!. Blefei!!! Não sei se o meu topete foi excessivo, ou, o mais provável, se o guarda não tinha realmente a intenção de me levar, o fato é que a conversa mudou para um tom mais ameno e o guardinha mostrou o que realmente estava querendo. – Podemos resolver aqui mesmo, o Pah!. - É só me dar uma gasosa (dinheiro para refrigerante)! - Não há necessidade de ir para o quartel. Bem, aí acabaram-se o papo e as razões do Polícia.

A outra agitação com a polícia foi depois que nosso visto expirou (aos 3 meses de permanência). O INEA refez sua programação, o que nos impediu de viajar e regularizar nossa situação. Viajamos ilegais para o interior do País, confiando na equipe do INEA que estava conosco. Em N´Dalatando, capital da provícia do Kuanza Norte, fomos localizados e levados pela Polícia de imigração, a DEFA. Passamos uma hora em suas dependências até que o director setorial nos liberasse com salvos-condutos que resolveram a situação. Com estes entreveros com a polícia, já me sinto um fora-da-lei aqui em Luanda.

Isto tudo aconteceu entre agosto e dezembro do ano de 2005. Acho que relaxamos mais no ano de 2006. Vencemos o medo de dirigir no trânsito maluco: Não fico mais tão ausente da cidade por causa das viagens, da quantidade de trabalho, e alguns receios como o preconceito, a extorsão da polícia, o visto etc. Estamos explorando mais Luanda. Alguns bares, uns novos restaurantes e principalmente, a descoberta da sensação de liberdade que as corridas na marginal da Bahia de Luanda proporcionam. Não vínhamos por puro desconhecimento e pela sensação geral de insegurança que esta civilização proporciona.

Vista da Marginal.


Pode parecer tolice que só após 6 meses é que desentocamos, mas o medo que nos foi incutido foi muito grande e levou todo este tempo para ser suplantado. As experiências negativas e a constatação daquele caos no trânsito, contribuiram para que este estado de espírito se agravasse, e por fim, a própria impossibilidade de sair realmente, devido a tanto trabalho que se tinha à frente.

O prédio em que moramos e trabalhamos.


O despertar se deu de várias formas. Uma delas pela pura constatação de que perigo por perigo, os que estávamos submetidos no interior do país, com as ameaças das minas, doenças (como malária e doença do sono), eram maiores. Outra forma de abrir os olhos foi com o ingresso de um novo integrante na equipe. Um arquiteto paulista, chamado Rodrigo Sanfelice que já havia estado em Luanda e nos levou a muitos locais sem nenhum receio. E veio o questionamento, “Se ele pode, porque eu não posso”.


Realmente o mundo aqui não é dos mais salubres, nem dos mais seguros, todo cuidado é pequeno, mas ninguém me tira mais a sensação de correr na pista de cooper olhando a bahia e as luzes da cidade, experimentando o vento batendo no corpo todo.

Marginal da Baía de Luanda - Que tal uma corridinha?


Nesta liberdade estou vendo que Luanda hoje é uma cidade constituída por muitos estrangeiros, trabalhando em diversas atividades, mas, principalmente, as ONG´s é que espalham os estrangeiros no país. Nas noites de sábado os bares da ilha lotam de italianos, alemães, franceses, indianos, com suas mulheres de shadô, chineses (um mar deles), portugueses e nós brasileiros. As margens da bahia de Luanda existe um bar altamente bem produzido, chamado Espaço Bahia, que é de ninguém menos que a filha de Djavan, que é casada com um angolano. Assim Luanda está ficando cada vez mais uma cidade cosmopolita por necessidade.
O carnaval daqui só existe na terça-feira. A segunda é dia normal de trabalho, pode? Mas também para viver um carnaval como o daqui é preferível, para nós brasileiros, trabalhar mesmo. É muita Kizumba, muito Semba, muito Kuduro, mas quando pensamos no nosso carnaval, o daqui vira uma festinha de rua a motivação para apreciá-lo não existe.

Imensa periferia.

Zungueiras vendendo pão.

Tento então viver como deve ser vivida esta experiência. Aproveito para usufruir o que esta terra tem a oferecer em materia de cultura e diversão, embora isto seja difícil. Não quero me internar em casa e esperar o dia que volto para o Brasil. Estou em Angola e minha boa estadia aqui depende exclusivamente de como minha mente está encarando isto tudo.

Saturday, July 08, 2006

Crônica 8 - Kambambe, Malange, Kalandula e Waco Kungo

Crônica 8 - Foi uma ausência de uns 20 dias onde ocorreram muitas coisas. Neste período fizemos três viagens diferentes, às vezes modificando todo o planejamento feito anteriormente. Pelo que pude observar, planejamento é algo pouco respeitado nas esferas mais altas do governo de Angola. Tudo o que foi acordado por nós, teve que ser modificado de última hora, havendo ocasiões de chegarmos de uma cansadíssima viagem na sexta-feira, prepararmos os documentos pendentes no fim-de-semana e viajarmos novamente na segunda-feira.

Um dos membros da equipe retornou ao Brasil e a carga de trabalho, advinda destas viagens, quase que triplicou. Só restaram dois para concluí-la. Teremos que terminá-la se quisermos voltar para o mês de Dezembro. Estou igual a um zumbi, subindo e descendo as escadas que levam do escritório para o apartamento e me acordando mais cansado do que fui dormir. O que está nos motivando é a viagem para o Brasil, que esperamos não haja contratempos para ela, embora cada vez mais surjam empreitadas novas a serem executadas.

Antes que eu fique mais cansado, só por lembrar da possibilidade de adiamento, gostaria de resumir estas últimas jornadas pelas terras angolanas.

Fomos a Alto Dondo, Malange e Waco Congo. Para chegar em Waco Congo, são 600 km de estrada ruim na direção sul do país. Malange fica a leste a 540 km de Luanda e Alto Dondo se situa a 200km na mesma estrada de Waco Congo. Ficou complicado, mas as direções são para o sul e outra para leste.

Nestas viagens as histórias de guerra aparecem, mas não fazem tanto estrago em minha mente como as primeiras. Mas ainda geram fotos de extremo impacto, principalmente quando eu investigo mais ainda sobre este período. Agora sei a origem e o final de toda esta diáspora angolana. Sei que houve um mentor intelectual, chamado Jonas Savimbi o “Galo Negro”, chefe da UNITA que, a pretexto de levar o país para o estado de direito, terminou conduzindo a todos os seus seguidores e ao país de maneira geral, a uma situação limite de destruição e morte. Após a sua extinção a UNITA depôs as armas e cessaram-se os conflitos. Este é um excelente personagem a ser investigado. Uma mistura malograda de Fidel Castro, Antônio Conselheiro e Lampião. Seu perfil carismático de liderança, sua oratória extremamente persuasiva, seus sonhos para a raça negra e um idealismo que resistiu até quando suas fileiras haviam perdido qualquer chance de vitória, levando aos que estavam com ele a morte anunciada, fizeram com que o Sueco Fred Bringland o chamasse de “Uma chave para a África”. Logo esta alcunha se desvaneceu sob as histórias de chacina promovidas por ele e seus
asceclas. Ele saiu do Moxico, província extrema leste de Angola, arrebatou o país virando-o pelo avesso e voltou para morrer no Moxico. Sem dúvida, um personagem como poucos.



Visões da guerra.

No Alto Dondo nos hospedamos em uma vila chamada Cambambe, que parece ter saído dos sonhos de arquitetos como Nyemeier e Le Corbusieur. Foi uma vila projetada e construída para os engenheiros que apoiavam a construção da hidroelétrica do Rio Kuanza. Ao término desta obra, algumas casas ficaram para o pessoal de operação da usina. O hotel também segue a arquitetura arrojada das casas. O mais surpreendente foi quando acordamos e engolimos em seco perante a beleza do canion do Rio Kuanza. Esta vila é para uma comunidade que vive isolada, guardada pelo exército. Seus moradores vivem em casas de sonhos e em um local com uma vista para muito além do inimaginável. É algo dissociado do mundo africano. Algo para primeiríssimo mundo.

Arquitetura "Le Corbusier" na vila Cambambe.

Rio Kwanza no crepúsculo e ao amanhecer.

O trabalho neste dia transcorreu de forma tranqüila e sem dificuldades. Este trecho era pequeno (47 km apenas), até a entrada de Munenga, mas foi o suficiente para que eu capturasse a mais bela imagem que tive oportunidade de ter nesta jornada africana, e olhe que as oportunidades foram inúmeras. É uma vista de um impacto grande e nos convida a reflexão. Tive pouco tempo para contemplá-la, o suficiente da foto (que ficou mau batida e desfocada), mas não consigo me separar dela. Mando a todos a quem gosto, para que tenham a mesma chance que eu. O detalhe do sino feito de uma roda de caminhão complementa a rusticidade da imagem, e dá uma idéia de como é a vida na vila onde esta igrejinha se situa. Compare com a de Cambambe, que foi projetada pelos arquitetos das casas. Difícil dizer qual a mais bonita.


Dos arquitetos ou dos aldeões. Qual a mais bonita?


Sobre estas vilas, pode-se notar a extrema pobreza por qualquer lugar que passamos. Vemos que mal há condições para se fazer casas normais, de tijolos e telhas. São feitas tijolos de adobe espesso e palha, muita palha. Cada parada em uma vila é uma experiência que procuramos exercitar sempre ao término dos trabalhos com o intuito de conhecer seu modo de vida e oferecer provisões.

Paradas nas aldeias - aprendizado.


Todas elas são organizadas e governadas por um indivíduo chamado Soba. Ele tem o controle sobre todas as atividades da vila e das suas mulheres também, pois a poligamia é exercitada em quase todas elas, principalmente pelo Soba. Nas estradas são inúmeros os cemitérios destas comunas e cada um mais interessante que o outro. Muitas figuras são esculpidas acima das catacumbas (vimos até uma que parecia um avião), O Soba quando morre é tratado de forma diferenciada. Em algumas vilas a tradição é construir uma sala (um quarto) acima da catacumba, onde ficará sua cabeça olhando para a região. Em outras, o costume é colocar o corpo do Soba em posição fetal e sentado, dentro de uma catacumba montada em pedras, por sobre as rochas. A cada ano de sua morte são realizadas festividades na vila até que o próximo Soba morra.


Cemitério de aldeia, sepulturas personalizadas.

Sepultura de um Soba.


Voltando para as viagens, após esta, o destino foi para dentro do país na direção leste. Foi uma das mais cansativas, pois as estradas simplesmente não mais existiam e optamos por uma estrada nacional que não era nada mais que uma picada. Chegamos a província de N´Dalatando, cuja capital tem o mesmo nome e desde a guerra que está as escuras. Dormimos muito precariamente, em hotel que não tinha banheiro no quarto e a água encanada não funcionava. Detalhe diária USD 50,00.

Chegamos a Malange, cidade considerada uma das maiores de Angola. Realmente há vida, e muito pulsante, nestas condições que nos levaram até lá, pois Malange é uma cidade que está prestes a ter um grande incremento de desenvolvimento. A região é grande produtora de diamantes e extrativismo mineral. Como capital da província de Malange é uma cidade pólo, principalmente para as outras províncias. Então para nossa sorte, Malange tinha hotéis com boa estrutura. Podia-se ver muitas construções e tudo que a guerra destruiu estava sendo recuperado. Chegar a Malange, final daquela etapa, provocou um relaxamento em toda equipe e nos preparamos para a difícil volta. Nos foram indicadas as quedas de Calandula como ponto turístico imperdível. Isto iria nos tirar 60km da rota de viagem. Houve protestos por parte dos membros angolanos da equipe, tentando apressar o máximo o tempo de viagem. A equipe brasileira, no entanto manteve-se determinada a ver algo que, com certeza teria pouca oportunidade de ver novamente. O acesso, como sempre era terrível e… mais protestos dos africanos. No final o deslumbre das cachoeiras foi tão avassalador que

É de abrir a boca!

Ponto onde não se retorna.

O rio Lucala correndo por baixo. São 120m de queda.

Um banhozinho restaurador. Depois da queda, o vale do Lucala.

ninguém conseguiu mais falar nem ouvir nada. O rio Lucala dá um salto de 120m de altura, avançado por sobre um leito rochoso, cujos matacões permitem que caminhemos por sobre a sua fúria, até o limite último de queda, fazendo ferver a adrenalina. Depois de um banho restaurador no rio “saltador”, consegui tirar os olhos da catarata e observar o vale do Lucala, que por si só tem uma paisagem que já teria valido todo o sacrifício de chegar. Estes rios angolanos são muito abusados, todos saem fazendo arte no interior do país como se fosse a coisa mais trivial de se fazer.


A viagem de volta foi para quebrar qualquer um. Em N´Dalatando o carro ficou sem freios e descemos um barranco direto no leito de um rio. A sensação foi a de uma descida na montanha-russa. Ainda bem que não havia nada entre a estrada e o rio e este absorveu toda a nossa velocidade. Neste dia (11 de Novembro) estavam sendo comemorados os 30 anos de independência de Angola. Em todo lugarejo que parávamos havia festas com as danças kizumba. Velhos e moços dançavam sem nenhum constrangimento nos quimbus. Conseguimos enfim retornar e chegar meio-vivos em Luanda.

Soubemos de uma história que pode ilustrar alguns termos usados por nós. Na província de Huíla, as mulheres são um pouquinho mais “trelosas” que as do restante do país. Então se o marido de alguma “flagra” a distinta com um amante, em vez dos ressentimentos de praxe o marido tem o direito de cobrar 2 bois do usurpador, e até mais, dependendo do encanto da esposa. Como aqui existe poligamia já aparece uma forma de aumento nas posses do marido. Este atrela ao seu harém mais moças formosas para que elas sejam instruídas a irem a cata de amantes ricos e aumentar assim as cabeças de gado do marido. Então quanto mais trelosas forem suas esposas, mais rico ele ficará. Assim as expressões “ela botou-lhe um par de chifres” você já sabe agora que vem de Huíla - Angola.

A nossa última jornada começou exatamente na segunda-feira após a chegada de Malange. O cansaço era evidente desde o início. Foi a mais longa que fizemos de carro. O destino era a Ponte destruída do rio Queve, agora pelo norte. Para isto dormimos novamente na vila Cambambe e depois em Quibala, a cidade arrasada que falei na sexta crônica. Lá não há energia e a cidade além de parecer fantasma, às escuras fica mais tenebrosa. Estranhamente a noite foi bastante aprazível em uma pousada muito simples. Ficamos à noite, com a luz de gerador, a escutar as histórias do cerco que colocou as forças da UNITA em um morro e as do governo em outro, deixando a cidade no meio, a tomar todo o tipo de bombardeio. Saímos no dia seguinte com o destino final Rio Queve. A estrada passa por regiões descampadas, variando de montanhas e vales magníficos, onde eu ficava puxando a vista para ver se via os grandes ausentes desta jornada. Toda a fauna de Angola. As palancas negras (símbolo do país), hipopótamos, elefantes… todos foram deportados das áreas mais próximas do homem para as regiões mais ermas do país. A guerra acabou com a permanência das palancas negras nos vales. O maravilhoso artesanato da região ainda é baseado no marfim dos elefantes. Este produto não pode ter saída internacional, mas de tão bonito fica-se muito tentado a se tornar um contrabandista-mundial-aniquilador-de-elefantes. Quando dizemos que não podemos comprar marfim no mercado Benfica, os vendedores saem com uma ótima – “Mas se o elefante murreu de resfriado, amigo? Compra amigo. Amigo faz preço baixo.”


Vale próximo a Waco Congo

Igreja católica de fazenda do tempo colonial.

Chegando a Waco Congo, verificamos ser uma cidade inserida em uma região plana circundada por montanhas rochosas. Uma cidade média nos padrões africanos, mas muito aprazível, formada principalmente por bosques que se concentram em uma área da cidade, com uma Igreja barroca no meio dele. O local é quase paradisíaco. Simplesmente não se tem como ficar imune àquela paz provocada por tanto verde, com uma Igreja a dominar o ambiente. As condições na cidade são boas. Existem bons hotéis e a economia é especializada na agricultura irrigada baseada em um projeto israelense com implantação de vilas de produção. Este projeto padroniza as aldeias para um determinado fim. Como, por exemplo, a produção de ovos. Existe também produção de carne de boi e de porco e a agricultura irrigada. O problema e o que não ficou claro é “Quem” vai ou já está usando estas áreas. Que critério está sendo usado na escolha e o treinamento que está sendo dado. São tipos de perguntas que identificam um projeto sério do puro clientelismo.

Waco Congo bucólico.

Casa do Presidente em Waco.

Projeto Aldeia Nova

Projeto elaborado por israelenses.

Após Waco Congo a estrada passa por uma região belíssima como tantas aqui em Angola, marcada por picos rochosos que movimentam e embelezam a paisagem. As condições da estrada até o nosso destino final estavam boas. Faltando 2 km para a ponte, começaram a aparecer os sinais das equipes de desminagens. As caveirinhas começaram a indicar os locais onde as minas foram encontradas e a expressão “campo minado” realmente foi observada na prática. Para qualquer lado que se olhasse haviam marcações. E foi assim até a chegada na Ponte do rio Queve onde já estivéramos iniciando o trecho Rio Queve/Alto Hama. Aquela visão me fez lembrar das bombas que vimos em Waco Congo, numa das aldeias. Transportadas para lá não sei como, nem com que intenção. Eram bombas que haviam explodido esta ponte, que agora chegávamos. Uma delas falhou e ainda estava incrustada em um pedaço de viga da ponte. Esta bomba explodindo pode arrasar com casas que estão num raio de 300m de distância. Já foram dois especialistas para desarmá-la, ambos sem sucesso. Um deles sugeriu a construção de uma sepultura maciça de concreto enterrada. Operação bem complicada de se fazer, mas se pode se tornar possível com concreto fluido e aditivos aceleradores de resistência. A questão é saber se a bomba vai suportar os efeitos das reações químicas do concreto, que geram calor.

"Bombinha" incrustrada na viga da ponte.


Ao finalizarmos o levantamento deste trecho, concluímos todo o serviço de campo nesta temporada. Caminhamos pela estrutura que ficou intacta até o vão destruído. Um terço da ponte estava detonado e jazia sobre o leito do rio. As estruturas metálicas que vieram para solucionar o problema do tráfego, encontram-se retorcidas por explosões posteriores. Daquele ponto privilegiado víamos o local onde a menos de um mês havíamos começado o levantamento do trecho Rio Queve /Alto Hama. Eu olhava para o local onde havíamos parado as caminhonetes para tomar café. As equipes de desminagens só agora é que lá se encontravam. Marcaram a área toda, inclusive o local próximo a onde tomamos os tal café. Olhei para um determinado lugar, onde tirei várias fotos da ponte. Havia 6 ou 7 marcações da desminagem. Quando fomos a este lugar, nosso guia nada informou sobre a possibilidade das minas ainda estarem ali. Os Guardas que estavam ali nos disseram que haviam explodido 3 naquela confusão toda. Depois que as pernas pararam de tremer e a cor voltou ao meu rosto, foi que refleti que por mais cuidado que possamos ter, o perigo está ali, sempre se dizendo presente. Ele nos mostra sua face e parece nos dizer – “Não foi você porque eu não quis”. Um pensamento mais construtivo me passa pela cabeça. – A Providência Divina esteve comigo todo o tempo guiando meus passos.


Nesta ponte, que é um marco de continuidade para este país e para nós uma marco de fim de jornada, vi como a experiência neste país foi rica e sem precedentes para mim. Uma realidade deste nível eu só veria em filmes ou em jornais. O Mundo não despertou para o que ocorreu aqui nem em qualquer lugar da África. Haja visto o que ocorreu em Ruanda, há cerca de 11 anos, onde, em menos de 100 dias, 800 mil pessoas da etnia Tutsi foram dizimadas. No máximo isto gerou uma nota nos jornais e nas revistas semanais. Ao saber, nos impressionamos; Nossos sentimentos são de uma pena absoluta, mas no íntimo sentimos que não há muito a fazer e talvez pensemos: “Graças a Deus que nossos filhos estão distantes de tanto sangue” e sentamos à mesa para jantarmos.

Esta palavras que começaram a 10 dias atrás, quando eu ainda não tinha a certeza que conseguiríamos concluir tudo para viajar, agora termina neste avião, onde me encontro fugindo da noite, com destino a nossa terra. Tenho a certeza de que Angola está sendo um marco na minha vida e poucas experiências foram mais construtivas do que esta.